2nd South
Este fórum contém material para adultos,
destinado a indivíduos maiores de 18 anos.

Se você não atingiu ainda 18 anos,
se este tipo de material ofende você,
ou se você está acessando a internet de algum país
ou local onde este tipo de material é proibido por
lei, NÃO PROSSIGA!!!

Os autores e patrocinadores deste fórum não se
responsabilizam pelas conseqüências da decisão do
visitante de ultrapassar este ponto.

Participe do fórum, é rápido e fácil

2nd South
Este fórum contém material para adultos,
destinado a indivíduos maiores de 18 anos.

Se você não atingiu ainda 18 anos,
se este tipo de material ofende você,
ou se você está acessando a internet de algum país
ou local onde este tipo de material é proibido por
lei, NÃO PROSSIGA!!!

Os autores e patrocinadores deste fórum não se
responsabilizam pelas conseqüências da decisão do
visitante de ultrapassar este ponto.
2nd South
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Enghäm eoató

Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Enghäm eoató

Mensagem  Convidado Sáb Ago 03, 2019 2:57 am


Enghäm eoató
Sangue Vermelho


Sinopse:  Andore S acaba de passar por uma recuperação pós-hospitalização, embarcando rumo a Amazônia em mais uma viagem para produzir um projeto autoral como fotógrafo, na América do Norte, Pedro Maia e seus amigos se preparam para o mesmo destino em terras tupiniquins. O que ambos desconhecem, é que seus caminhos se cruzarão a partir do momento que conhecerem uma seita religiosa que promete curar todas as enfermidades dos habitantes próximos.

Participantes: Andore S e Pedro Maia

Prazo: Até 15 dias, caso o tópico não tenha postagens dentro do prazo de 15 dias, o mesmo será fechado.

Observação: Essa história se passa no segundo semestre do ano de 2019, e tem como principal objetivo mostrar mais detalhes sobre as personagens e suas relações com o mundo. Existe uma grande possibilidade de cenas com tortura e/ou temas religiosos, e adultos. Não recomendo para pessoas sensíveis a esse tipo de temática.


Convidado
Convidado


Ir para o topo Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Re: Enghäm eoató

Mensagem  Convidado Sáb Ago 03, 2019 3:26 am


Viagem
Parte I



…. Que inferno que estou fazendo aqui.


Brasil, São Paulo.
Segundo semestre de 2019



A chuva cai. Os pingos deslizavam pela janela do carro que está parado em meio ao transito dessa cidade. As batidas do meu coração ressoam pelo corpo, e junto a ansiedade, a típica agitação floresce por todos os lados - tremedeira.

Será esse o melhor momento para viajar? Ainda não me recuperei por completo… Mas… Eu... Eu não quero ficar parado, outra vez. Se parar agora, estarei estigmatizando meu próprio ser.

Paro. Respiro algumas vezes, vagarosamente, no intento de acalmar minha mente com um exercício de respiração qualquer. Ao dar a última expirada, sinto uma pontada incomoda em meu peito, e minha visão é puxada para o bolso esquerdo de minha camisa. É o pingente com o símbolo do selo de Salomão, com delicadeza retiro-o do local, observando-o por alguns instantes.

… Será que vai demorar muito até chegar no aeroporto?


.  .  .


Flash Back
Início



O espelho reflete. Um silêncio insuportável rodeia o cômodo, no vidro límpido, a imagem do torso negro e desnudo. Uma grande cicatriz vertical parte do centro da clavícula e segue até o final do esterno, os braços, com uma extrema lentidão e cuidado, tentam se elevar levando os punhos acima da cabeça. Um dor nasce no corte e ecoa por todo o resto do tórax.

- Argh… - Seguro o ruído.

Dói, não mais como antes, mas ainda dói. Esse é o segundo mês de recuperação da cirurgia, não consigo nem ao menos levantar meus braços sem sentir essa merda de dor. Que inferno.

Continuo nessa posição por alguns minutos - cada vez mais devo alongar meu tempo limite em suportar a dor. Os olhos lacrimejam, em cada pequena área do corte a pele arde e sofre, estica-se com um movimento tão simples e causa uma verdadeira aflição. Flagelo costurado a carne.

Mais um pouco…

O relógio anda, alguns minutos passam. Largo os braços e me desprendo dessa angústia física. Os pulmões aceleram e tomo mais tempo para normalizar a respiração - sofrimento momentâneo. Com pesar, saio do banheiro com um misto de felicidade, paz e total aflição.

- O que você estava fazendo? - A mulher baixa indaga preocupadamente.

- Nada, mãe. É que me mexi de mal jeito. Não precisa se preocupar.

- Você sabe que não pode ficar levantando os braços, deveria ficar deitado e descansar.

… Foi tão óbvio o que fiz? Mães e seus poderes adivinhatórios.

- Certo. Mas uma hora ou outra eu vou precisar trabalhar, ficar parado só está piorando a situação.

- Trabalhar? Não, espera mais. Vai ficar se abaixando, correndo e mexendo os braços só pra fotografar, sua saúde vem em primeiro.

….


. . .


Não quero ficar aqui… Que inferno. Inferno de cirurgia…

Sobre o chão repousa três velas, suas chamas crepitam e  iluminam o quarto imerso na quietude. O frio da noite penetra o local, fazendo um ar gélido se manifestar no recinto. Um tecido claro é ocupado por cartas de tarot que estão posicionadas em  duas linhas horizontais. Os olhos fecham, e tudo em minha mente se tinge de branco. Nesse momento submerjo em minha própria paz e serenidade, em busca de estabelecer uma concentração avançada.

- Oráculo.. - Início. - Devo seguir com meus planos de viajar mesmo depois de realizar uma cirurgia cardíaca?

A mão se aproxima do baralho em repouso. Uma fina onda de calor é emitida de cada uma, porém busco a que mais me chama a atenção. Puxo-a, viro-a, e deixo separada.

- Essa viagem me colocará em riscos?

Repito o processo, pegando uma carta que julgo ser da segunda linha.

- Eu… Eu sinto um pressentimento forte sobre essa viagem… É algo espiritual?

Por fim, retiro a última lâmina. Abrindo finalmente os olhos. Me assusto com a resposta, porém ignoro a surpresa e foco em meu real objetivo com esse jogo de pergunta e resposta.

- O louco, A temperança, e A sacerdotisa…  

Três sim… Mas mais além… Essas cartas. Principalmente a última.

- A carta está ao contrário… Sua sombra. Ocultismo… Dissimulação… Hipocrisia. O que raios significa tudo isso?

O oráculo é agradecido. Logo em seguida reúno as cartas e as guardo na caixinha metálica que comprei depois do incidente nos Estados Unidos. Pensamentos invadem minha cabeça, porém todos eles chegam na mesma informação: é uma viagem necessária.

Cada vela é apagada com um sopro sutil. Junto o resto do material, colocando-os em uma pequena gaveta do criado-mudo que fica ao lado da minha cama. Acima deste, uma imagem religiosa descansa, ao seu lado estão pequenos pertences de cunho místico, como pedras, sementes e um pires para vela.

- Eu peço a proteção ao senhor, óh iracundo das profundezas.

Esperarei até amanhã para falar com ela, terei que pensar em uma boa mentira para usar como desculpa.


. . .


Estou só. A mala em minha cama aos poucos é preenchida com roupas e equipamentos eletrônicos como o notebook, carregadores e alguns fios. Tudo está praticamente concluído, faltando somente alguns itens menores para finalizar toda a bagagem.

- Compro as passagem hoje a noite… - Um barulho na porta denuncia a chegada de minha mãe. - Bem… vamos lá.

Aproximo-me da entrada, conseguindo visualizar a senhora de cabelos lisos e curtos. A típica roupa leve e com estampas deixa claro que hoje ela acordou energética. Seus olhos me encaram, como se estivesse lendo minha mente, sua voz seca lança as primeiras palavras carregadas de desconfiança.

- O que foi? Aconteceu alguma coisa?

- Então… Eu recebi uma proposta de trabalho. Um editorial na Amazônia.

- Amazônia?! Você enlouqueceu? Olha o seu estado, só fazem dois meses desde a cirurgia.

- Mãe, eu preciso de dinheiro… E ficar aqui não vai me ajudar em nada. Não farei muito esforço, e o que for mais pesado deixo para os ajudantes e outros fotógrafos.

- Não. Você nem consegue carregar peso, como vai ficar com uma câmera pesada no pescoço?

- Eu só não posso levantar os braços muito rápido, de resto eu estou liberado. Já até consigo respirar melhor, e meu coração não tem mais arritmias.

- E quanto tempo vai durar isso?

- Não sei ao certo, mas acredito que seja entre duas semanas ou um mês.

- Você está louco? Um mês fora de casa? Podendo pegar uma infecção ou uma doença.

- Eu não quero ficar aqui, sem falar que já fechei contrato com eles, uma quebra agora me custaria um dinheiro que não tenho. - Chego mais perto dela. - Mãe, eu não vou morrer, se fosse pra morrer, já teria morrido na cirurgia. Eu preciso disso, nem tanto pelo trabalho, mas para respirar… Quanto tempo mais vou ter que esperar pra me mover? Desse jeito vou acabar é adoecendo por culpa da tristeza e não pelo coração.

- … - Ponderou. - E se você passar mal? Como vai fazer para voltar?

- Com certeza o resto da equipe vai me ajudar, não vão me deixar morrer por lá. Se acontecer qualquer coisa, pego o primeiro voo e vou direto para o hospital, prometo.

Seu olhar me julgou, mas em sua cabeça algo estava sendo processado. Ficamos estáticos por alguns minutos, até que finalmente ela voltou a me encarar e deu o veredito.

- Tá. Mas se acontecer alguma coisa, é pra você voltar o mais rápido possível. Você sabe que é perigoso ficar viajando assim depois de uma cirurgia dessa. E logo começa os seus exames para avaliar o seu coração.

- Certo. Prometo que volto se algo acontecer.

Abracei-a fortemente. Eram poucas as oportunidades que tinha em fazer isso, e talvez, esse ato lhe desse mais confiança. Não tardou para trocamos de assunto, indo aos demais temas de um longa conversa diária.


Flash Back
Fim


. . .


Um fino chuvisco continua a cair. O que restou da chuva parece lavar um dia tão frio e úmido como este. O carro estaciona em frente ao aeroporto, e me apresso para retirar a mala e uma mochila que carrego nas costas.

… Minha mãe me mataria se me visse carregar esse peso todo nas costas.

Agradeço ao motorista. Sem esperar corro para dentro do local, procurando pela fila do meu voo. A aglomeração de pessoas e suas respectivas vozes faz com que meu estresse suba quase que instantaneamente - detesto barulho. Por fim, me coloco atrás de um rapaz de cabelos pretos, esperando pelo momento em que vou passar pela vistoria e embargar em tal viagem.

… Meus guardiões, minhas divindades, eu só peço que tudo ocorra bem. Morrer agora seria muito trabalhoso.


Convidado
Convidado


Ir para o topo Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Re: Enghäm eoató

Mensagem  Convidado Qua Ago 07, 2019 9:42 pm




A RETOMADA

A vida não é tão simples quanto parece.



Uma vez eu li. Ou talvez ouvi. Não importa. Dá na mesma. A informação é apenas uma. Enfim, em algum lugar, em dado momento, uma pessoa disse que precisamos contar um pouco mais de nós. Aquele que nos vê não é obrigado a nos conhecer. Podemos ter participado de diversos torneios de artes marciais. Podemos ser celebridades. Ou até mesmo pessoas com dada relevância para a história, seja local, regional ou global. Não importa. Aquele que nos vê não é obrigado a nos conhecer. Se somos anônimos (criados), principalmente. É importante que saibam quem nós somos. Que entendam porquê agimos de tal maneira. Porquê somos o que somos. Que entendam quem nos cerca. Que saibam qual é o nosso ciclo intimo. Afinal, por que fazemos determinadas ações? Por que tomamos essa decisão e não aquela? É importante esclarecer essas informações. É importante não deixar furos. Não ser monótono. Não ser chato. É ideal que não se use as palavras a toa. É ideal que, ao contar sua história, você não seja prolixo. Dizer o mesmo, para quê? Encher linguiça, com que objetivo? Textos longos, textos chatos, ninguém quer ler.

Fui julgado. Sim, logo eu. Não tenho nada contra ninguém. Nem quero ter. Não sou do tipo que faz questão de ter relação com outros lutadores. Arrogante? Não, apenas não quero ter relação próxima. Meu direito, minha escolha. Apesar que, no começo, eu queria sim ser amigo de todos. Queria poder aparecer com bons olhos "nas histórias dos meus amigos". Porém, fui julgado. Sim, logo eu. De caráter duvidoso. De opção de sexual duvidosa. E dai? O que isso interfere na vida alheia? O que impacta? Piadas internas, preconceituosas, discurso de ódio velado... Isso que é visto. Então mudei. Renovei. Reinventei-me. Contudo, novamente fui julgado. Sim, logo eu. Machista. De textos com conteúdos ofensivos. Elevação do ódio? Comentários desnecessários? Não pertinentes ao contexto? Será que não entenderam o contexto afinal? Será que minha história não foi compreendida? Os motivos pelos quais agi como agi, disse o que disse? Não importa. Talvez, nada importe agora. Fui julgado. Sim, logo eu. Fui julgado... Não importa. Senão é do grupo, você é julgado. Lutam por direitos. Agem da mesma forma. Criticavam certas ações. Repetiram-nas. Hipocrisia. Estou na minha. Prefiro viver em torno do meu ciclo intimo.

Para que você me entenda e entenda a minha história, você precisa saber a minha história. E aquele ano ficará marcado na minha vida. Aquele ano ficará marcado na vida de todos, pelo menos daqueles que participaram do evento, assim penso eu. Vai que nem os participantes se lembram mais de tal acontecimento, não é? Março de 2017, foi neste período que todos nós, os envolvidos, fomos convidados a participar de um torneio. A forma de convite foi inusitada para cada um, porém todos foram através de flechas douradas, digo, até onde sei foi assim que todos foram convidados. Um mago ou uma "bruxa" invadiu o sonho de cada participante e, pedindo ajuda, conseguiu convencer os lutares a entrarem no torneio na busca do livro de Hermaeus para, no fim, entregá-lo àquele que o pediu, seja o mago chamado Nessiah, ou a feiticeira, Cassandra. Para minha sorte, Nessiah foi quem veio até mim. Eu era apenas um garoto de 16 anos. Não sabia lutar. Não tinha conhecimento técnico em qualquer arte marcial. Minhas movimentações eram basicamente inspiradas em filmes e jogos de luta. Contudo, Nessiah via algo em mim que eu mesmo sequer sabia dizer. Eu tinha um potencial, um poder oculto em mim que eu sequer sabia.

Ressalto, o mago veio até mim em um momento fragilizado da minha família, pois minha mãe estava doente, cada vez pior. ELA. Minha amada mamãe tinha Esclerose Lateral Amiotrófica. Ela mal falava. Ela já não falava, exceto com o olhar. Minha mãe estava de cama. Pouco parecia entender o que lhe era dito. Meu tio Thiago pagava o tratamento nada barato. Foram anos assim desde que meu pai foi embora, há nove anos. Minha tia nunca foi a favor disso tudo. Ela sempre pôs a culpa em mim. Eu não queria assumir aquela responsabilidade. Me doía ver mamãe daquele jeito, na cama, vegetando, atrofiada... Era uma cena tão triste. Tão horrorosa. ERA A MINHA MÃE ALI!! Eu não aguentava olhar aquela situação. Eu fugia toda noite. Eu enfrentava a vida apanhando da vida. Toda noite eu lutava nas ruas de Southtown. Toda noite eu voltava machucado. Parece loucura, no entanto, essa era a maneira que eu achei para esquecer, ou tentar esquecer, os problemas de casa. Esquecer o que a ELA estava fazendo com a minha mãe. Essa atitude era em vão, eu sei. Não fazia e nem faria minha mãe se curar, porém foi o modo como eu vi para encarar a vida e me tornar mais forte para enfrentar tal situação.

Entretanto, isso logo mudou e essa mudança aconteceu quando a flecha dourada cruzou o meu caminho. Naquele dia eu entrei em casa e meus tios estavam lá. Eles brigavam por minha causa. Eu ouvi tudo. Meu tio brigou comigo. Ele me estapeou. Eu fugi para longe dali. Não olhei para trás, apenas corri e quando dei por mim, eu estava em Sound Beach. Na praia, mais a frente, havia uma luta acontecendo. Era Joe Higashi contra alguém e foi graças ao Tigre que eu me motivei e aceitei entrar no torneio que Nessiah me convidou. Eu precisava fazer algo por minha mãe. Eu precisava fazer algo pela minha família. Somente eu poderia salvar mamãe da ELA. Poder ver papai de volta ao nosso lado. Isso pararia as brigas dos meus tios. Tudo seria tão perfeito, eu só precisava conseguir o livro de Hermaeus. Inscrevo-me no torneio. Descubro o local para aonde devo ir. Vou. É um castelo, em Sarah Forest. Pessoas desapareceram ali pouco tempo antes do castelo surgir. Contudo, a mídia e mais ninguém parecia falar sobre este assunto. Ninguém se importava? Não, ninguém. O foco era o castelo. O organizador havia dado, inclusive, uma entrevista na televisão pouco tempo antes de eu e os outros competidores irmos para ele.

Cercado por guardas que vestiam armaduras medievais coloridas, tendo móveis e características de séculos passados, aquele lugar tinha uma aura estranha, dava medo, era sombrio e misterioso demais. Em contrapartida, havia um parque ali. Muitas pessoas vinham se divertir, conhecer. Mas o funcionamento era apenas a noite. Estranho, mas era assim. E, enquanto a diversão estava lá fora. do lado de dentro do castelo, no salão principal, eu e os outros competidores nos reuníamos com Valeth e seus seguidores. De início eu não a conhecia, mas hoje sei que a única que não estava presente naquele salão era a competidora Painwheel. Não sei o motivo de a mesma não estar lá, apenas não estava. Fomos bem recebidos. Podíamos comer a vontade. Comi. Fui para o meus aposentos. As lutas logo começaram. Fui empenhado a ganhar. O cenário era uma biblioteca. Meu primeiro adversário foi um militar. Clark Still. Não foi fácil. Tentei ser criativo, ágil. Quando vi, perdi vergonhosamente por nocaute. Isso não poderia voltar a acontecer, minha mãe dependia de mim. Meu amigo de escola vem me visitar, seu nome é João. Ele me aconselha a sair. Não ouço. Tenho um objetivo. Preciso achar o livro. Preciso entregá-lo a Nessiah. Quero a minha família como era.

Quando eu era criança, morávamos eu e meus pais. Eles se amavam. Eles me amavam. Meu pai era o meu herói. Ele trabalhava muito. Não sei ao certo sua profissão. Pouco se falou dele desde que o mesmo foi embora. Tudo gira em torno da minha mãe. Ela tinha o costume de o perturbar sempre que ele vinha da rua. Sempre achando que ele estava com outra. Minha mãe arrumava briga por tudo. Meu pai não sabia a responder com palavras. Ele perdia a cabeça. Ele a batia. Ele dizia que estava a colocando no lugar dela. Seu dever era limpar a casa, cuidar de mim e fazer a comida para quando ele chegasse em casa. Meu pai queria algo simples, queria encontrar tudo em plena ordem quando ele chegasse. Essa foi a visão que cresci. O exemplo de família perfeita. O lugar do homem e da mulher na sociedade. Assim eu aprendi. Eu era amado por meu pai, que sempre dizia para mamãe: "Para de brigar com o garoto, mulher. Deixa ele ser livre e fazer o que quiser, ele é homem!". E eu fazia mesmo. Raro era quando meu pai brigava comigo. Já mamãe descontava toda sua raiva e dor em mim. Chinelada era o menor dos meus problemas. Se ela tivesse uma cadeira para dar nas minhas costas, ela daria. Mamãe apanhava de papai, e eu, por tabela, apanhava sem motivos de mamãe, que apanhava de papai por ela ter me batido.

Insuportável. A situação estava cada vez mais insuportável. Para piorar, foi nessa época em que a ELA começou a dar seus primeiros sinais, porém ninguém notou. Ninguém conhecia essa doença tão terrível. E é esse o problema. Demorar a diagnosticar uma doença é fatal para qualquer um. A Esclerose Lateral Amiotrófica é incomum em mulheres, porém minha mãe foi sorteada. Apenas em 5 a 10% dos casos, a ELA é hereditária, porém minha mãe não herdou. Eu herdei? Não sei, tenho medo dessa resposta... Os primeiros sinais vieram nos dedos de mamãe. Endureceram. Papai ficava bravo por ela não cozinhar como antes. As roupas estavam manchando. Ele contratou uma empregada. Alice. Uma jovem de 21 anos. Virou sua amante em dois dias. Mamãe tentou tomar satisfação. Eu era pequeno ainda, mas lembro desse dia. Papai a empurrou. Ele disse que Alice fazia coisas que mamãe já não era mais capaz. Chamou-a de inútil e virou as costas, revirando meus cabelos dourados. Apanhei muito nesse dia. Os sintomas não eram imediatos. Eles vêm aos poucos, porém cada vez piores. As brigas ficaram mais constantes até que papai foi embora de casa. Minha mãe ligou para seu irmão. Meu tio Thiago veio a ajudar. A doença desconhecida estava a impedindo de viver. Foi assim, depois de muitos médicos, que descobrimos a ELA.

Quando Nessiah me chamou para o torneio, eu não pensei duas vezes. Eu entrei. Enfrentei Clark e perdi. Aquilo não podia me desmotivar, pelo contrário. Enfrentei Laura Matsuda e venci. Animei-me. Lilith Yagami foi minha terceira adversária, porém antes de lutarmos fui levado para fora do castelo por uma desconhecida junto de Painwheel e Yue Yagami, onde logo encontramos Nessiah. Revelações foram dadas. Entendemos um pouco mais sobre o castelo, sobre Valeth, sobre um anjo cruelmente ferido. Não me lembro bem. Bom, depois disso tudo, eu tive a certeza de que mais do que nunca o livro deveria ser meu. Nessiah disse que podemos reescrever nossa história e eu farei isso. Meu pai voltará, a ELA não existirá e seremos uma família perfeita. Não... Eu me esforcei tanto nessa luta contra Lilith. Descobri um poder que sequer sabia que eu possuía. Uma aura verde água exalou do meu corpo em um intenso brilho. Era minha energia chi. A mesma energia que os grandes lutadores dominam. Eu não sou um lutador. Aquilo era muito para mim. Desmaio duas vezes durante a luta e sou dado como vencido, porém mesmo assim, de algum modo, vou para as semi-finais. Aliás é importante dizer que, enquanto eu lutava contra a Lilith, meus amigos João e Maria prometeram pagar uma grana para duas crianças chamadas Ness e Lucas para que eles distraíssem os guardas. Aquela confusão era filmada por muitos que estavam ali.

Os irmãos gêmeos entravam no castelo a fim de me alertar dos perigos que eu estava correndo, mas se deparavam com um mordomo. O funcionário, sem motivo aparente, protegia-os dos guardas que vinham logo atrás para em seguida os levar até mim. Reúno-me com meus amigos. Conversamos. Sei dos riscos. Não posso voltar. Estou prestes a conseguir o livro. Uma mulher é tirada do castelo e assassina um guarda. Ela volta para o castelo e é tida como um monstro, ou, talvez, o anjo da história de Nessiah. Aliás Nessiah surge em meu quarto ao anoitecer antes da luta da semi-final. Ele me conta que curou minha mãe da ELA. Fico imensamente e eternamente grato. Minha única forma de retribuição é lhe dando o livro de Hermaeus. Já na semi-final, minha adversária é, novamente, a Yagami. Surpreendo-me, pois achei que seria Painwheel, a única participante que não enfrentei em todo torneio. Contudo, por ser minha antiga adversária eu estou mais confiante e certo das minhas ações. Dessa vez a minha determinação é tamanha que venço a luta e vou para a grande final do torneio. Sim, eu estou perto de conseguir o livro de Hermaeus!! Enfrentarei Painwheel na final. O Tenente Clark Still foi nocauteado por ela.

Preparo-me para a grande final, mas sou interceptado pelo mordomo. Ele leva a mim e meus amigos ao encontro de Ness e Lucas que haviam sido capturados pelos guardas. Reunidos, o mordomo nos leva até a presença de um grupo de militares da Ikari Warriors, onde todos nós enfrentamos poderosos guardas e conseguimos libertar e/ou trazer de volta várias daquelas pessoas que tinham desaparecido em Sarah Forest antes do surgimento do castelo. Ao final de tudo, descubro que Painwheel enfrentou e venceu Valeth. Não posso mais ter acesso ao livro, não posso mais agradecer Nessiah por curar minha mãe. Fico triste por um lado, mas feliz em saber que pude ajudar várias pessoas. Eu e meus amigos vamos embora sem ninguém notar. Volto para casa. Abraço minha mãe. Ela ainda não está 100%. É preciso fisioterapia para voltar a ter controle total dos movimentos. É preciso fonoaudióloga para poder voltar a falar sem dificuldade como antes. Meu tio Thiago deixou claro que ele fazia questão de pagar todos os tratamentos da irmã.

Estou feliz por minha mãe. No entanto com medo por mim. Nessiah disse também que ao mudarmos um fato, ele não se anula, apenas ocorre de outra maneira. Minha tia resolveu pedir o divórcio. Eu e meus amigos decidimos viajar o mundo em busca de nos conhecermos, pois ao longo daquele torneio de 2017 pudemos descobrir que temos dentro de nós habilidades que nunca se manifestaram, ou talvez nunca se manifestaram por nunca passarmos por situações onde fossem obrigatórias tais habilidades. Queremos alguém com experiência para nos treinar e nos ajudar a entender tudo isso. Então, será que depois de ler esse texto, se é que você chegou até aqui, será que depois de ler tudo isso, agora você entende o porquê eu falava e agia daquela forma? Hoje não penso assim. Tenho outra visão e você conhecerá um pouco mais de mim ao longo desta jornada.



Convidado
Convidado


Ir para o topo Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Re: Enghäm eoató

Mensagem  Convidado Dom Ago 18, 2019 1:51 pm

Pousa. O avião desliza pela pista cinzenta, o céu alaranjado e sem nuvem se mostra profundo e com um grupo de aves sobrevoando o horizonte, denuncia um belo pôr-do-sol. O ar é puro, ele invade a aeronave assim que a porta se abre.

Cheguei... Finalmente.

Ao descer os degraus, algo se mistura dentro de mim. Observo cada detalhe do local, mas o que me chama atenção não é o físico. Uma energia quase mística se choca contra mim, e uma má sensação gera um presentimento ruim sobre esse lugar. Estranho.

. . .

O aeroporto está cheio. Pernas correm e arrastam consigo duas ou quatro rotinhas de uma única vez, vozes que se misturam a choros de crianças e ruídos digitais de aparelhos telefonicos. Me estressa. A mala demora para aparecer, mas quando o faz, é agarrada rápidamente pela minha destra . Com tudo em mãos e já resolvido, sigo para fora, o celular é ligado e conecto a internet móvel, afim de utilizar o aplicativo de viagens.

 - Que demora...

O mesmo presentimento volta a atacar. Não me sinto mal, não, mas algo ressoa na minha cabeça dizendo que coisas estranhas vão acontecer... Algo ruim. Mas que demônios.

 - Ando... Ré? - Indaga um senhor em um carro vermelho.

 - Sim... - Pondero por um instante. - Pode chamar de André, é mais fácil.

 - Certo.

Quem diria, assumir o nome de batismo fora de casa. Quem diria...


.
.
.

Quando o carro para, demoro uns segundos para sair. A súbita emoção acompanhada de boa dose de ansiedade explode como fogos de artifício. Desde que cheguei, é a primeira vez que uma certa alegria realmente aparece diante meus olhos.

Crianças correm de um lado para o outro, em meio aos carros, elas cessam e logo recomeçam suas brincadeiras e os passos velozes. Abro a porta com cuidado, para não atingir qualquer pessoa desavisada. O barulho da porta  ressoa sutilmente, e sigo para a parte de trás, recebendo a ajuda necessária para pegar a mala.

 - Obrigado Joaquim, bom trabalho.

 - De nada, boas férias e boas fotos.

Ahh... A educação civil da sociedade, um mal necessário.

Caminho. O pequeno prédio branco possui letras garrafais em vermelho com a palavra "Hotel". A parte inferior de suas paredes são cobertas por pedras brancas e de formatos abstratos até o meio, deixando a parte de cima ser cortado por duas longas listras de cor vinho bem chamativas. Três andares desde a porta dupla feita de uma madeira negra e envenizada. Um tipico prédio antigo com uma fachada bem trabalhada.

Ao entrar, percebo um balcão com  duas pessoas na frente, possivelmente se registrando. Alguns quadros de paisagens naturais espalhados pela parede direita, que possui tons de creme e um suave grafiato. Atrás do balcão marrom escuro, um rapaizote com traços indígenas atende o casal.

É... Bonito. Até demais.

Passo alguns minutos esperando pela minha vez, e quando ele me atende, a cabeça ecoa pensamentos não tão leves sobre o mesmo. Ignoro-os, e depois de mais alguns minutos finalizo meu registro. Com as chaves em mãos, subo a escada em madeira clara e corrimãos marrons. O quarto é o terceiro do primeiro andar.

Enfim.

A porta se abre. Um comodo bem mobialiado é anunciado. A cama simples forrada em trajes brancos e travesseiros grossos, um pequeno armario de duas portas em cores claras. O tapete felpudo e negro descansa no chão bem lustrado e brilhante - um lugar simplório. Deixo a mala perto do criado-mudo escuro, onde existe somente um pequeno potinho decorativo. A luminária longa e prateada me chama bastante atenção, mas desvio o olhar para a janela e os tons azuis escuros da noite nortenha.

 - Que cansaço...

Ao trancar a porta fico uns segundos estático. O celular vibra no bolso, e as mensagens surgem na tela. Deixo-o no criado-mudo, pegando a mala maior e retirando alguns pertences de higiene pessoal, uma toalha e uma troca de roupa. Vasculho o local rápidamente, até encontrar a porta branca que suponho ser o banheiro.

 - Depois eu respondo... Só quero tomar  um banho e mofar na cama.

E assim foi.

. . .

O vapor corre solto no banheiro, a única rota de saída é a porta de acesso ao quarto. Á agua corre pelo corpo, aquecendo-o até o máximo, o organismo aflora e cada sentido desabrocha em seu limite. Com os olhos fechados, posso "ver" cada gota do liquído cair e choca-se contra o chão. Os ouvidos parecem captar até mesmo o pequeno ruído da leve pressão que existe no momento exato da liberação da água. Respiro profundamente o ar quente que é expelido pelo banho. O corpo fica leve e por alguns minutos perco a sensação de estar aqui.

.... Quanto tempo fiquei sem essa sensação tão boa?

Embora aproveito cada segundo desse momento, algo me desperta do meu transe induzido. Fecho o registro do chuveiro, desligando a tucha. Com o abrir do box de vidro esverdeado, vejo-me no espelho esfurmaçado. Limpo-o com uma passada de mão, e visualizo os olhos cansados e quase mortos. Estou exausto.

Tenho preguiça ao me secar, e ao enrolar a toalha em volta da cintura, saio do banheiro sem vestir a roupa íntima. As mãos se direcionam ao ziper da mala, retirando o notebook e o carregador. Um clique temporário é o suficiente para ligar o aparelho, esperando uns segundos para digitar a senha do wi-fi local e me conectar a internet.

Que inferno, nem longe eu posso ficar em paz.

Sincronizo o celular ao computador, recebendo as inúmeras mensagens que havia ignorado anteriormente. Uma conversa em especial me chama a atenção, lendo uma a uma todas as respostas que o contato enviou.

 - Uma série de fotos sobre os índios? Bem, não é uma má ideia, mas...

O mensageiro alerta que a pessoa ficou online. Meus dedos batem violentamente contra o teclado, afim de responder o mesmo.

.

A ideia é ótima, mas não é muito clichê? Digo, existem vários ensaios sobre isso.

Sim, eu sei. Mas você pode focar de outro ponto de vista... Por exemplo um edital sobre a cultura deles e como ela sobrevive em meio ao resto do povo do estado.

Como?

Hum.... Tem muita fotografia sobre a fé deles, mas nenhuma sobre os desafios em manter essa fé e religião. Ainda mais com um monte de igreja indo no meio das aldeias.

.... Hum. Eu vi já vi algo assim em um documentário. Mas e se eu fizesse o contrário? Digo, os índios se tornando protestantes ou aderindo outras religiões, e o povo daqui se dedicando ao paganismo indigena? Seria algo não tão explorado.

ADOREI! Mas como vai fazer isso? Entrar em aldeias não precisa de autorização? Sem falar que vai ter que rodar todo o estado pra achar gente que cultua deuses indígenas.

Sim sim, mas não há nada que eu não possa conseguir com passos certos e um belo esforço. Afinal de contas, eu não cursei dez semanas de fotografia, foi no minimo mais de dez meses.

E desde quando o curso te ensinou a explorar aldeias?

Por favor, se eu me agarrar somente ao que aprendi em mais de dez meses e não tentar novos desafios, vou ficar igual esses fotografos de casamento, fazendo fotinha chata e repetitiva. No máximo, eu sou expulso e levo umas flechadas no peito.

Hahahaha, você é louco.

Eu nunca disse que não era.

Eu espero que consiga, é uma ótima ideia.

Eu também espero. Me deseje sorte.

Boa sorte.

.

Fotografar a transição entre povos e suas religiões... É uma bela ideia, mas vai ser trabalhoso... Ah, de um jeito ou de outro eu já ia tirar fotos, agora eu tenho um roteiro.

Sigo para o banheiro, agora já sem o fumaceiro. Pego a cueca que estava perto da privada, vestindo-a rapidamente. A calça verde também descansa em cima do vaso sanitário, e é a próxima peça que visto. De volta ao quarto, vou para janelar observar o horizonte. A mente se enche de ideias originadas dessa conversa. Estou em êxtase.

 - O que é que você guarda para mim, Amazonia?

Convidado
Convidado


Ir para o topo Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Re: Enghäm eoató

Mensagem  Convidado Sáb Ago 31, 2019 4:45 pm




A PERDA, A MUDANÇA, BRASIL

Chegou a hora de recomeçar, ter cada coisa em seu lugar!



Minha mãe se recupera aos poucos. Meu tio Thiago, sempre que possível, leva a irmã ao fisioterapeuta e ao fono, porém às vezes cabe a mim fazer tal papel. Gosto de ver como minha mãe se recupera. Nossa vida parece voltar ao normal aos poucos, tudo graças ao mago Nessiah. Sem dúvida o mesmo alterou drasticamente a minha história e sou grato por isso, porém não sei até onde tudo mudou e quais as consequências de tais mudanças. Meu tio me faz voltar para a escola. É preciso que eu me forme. Pelo meu tio Thiago eu fazia faculdade de Engenharia ou qualquer coisa clichê do tipo, porém eu não me importo com isso. Nos últimos anos eu passei tanto tempo fugindo dos problemas de casa que me esqueci de pensar "no que eu quero ser quando crescer". Hoje eu olho para o futuro e não vejo certezas. Não tenho planos a médio e longo prazo. Apenas vivo o que estou vivendo no presente. Talvez isso seja errado, talvez não, quem vai saber? Porém... Uma pessoa sem projeção pode ir a algum lugar? Ela pode ser feliz? Se a resposta for não, então eu estou ferrado!! Bem, tentarei provar o contrário.

Na escola, eu, João e Maria assistimos todas as aulas e conversamos sobre tudo o que vivemos dentro do castelo. Antes apenas Maria era a popular e andava com os iguais, hoje, eu sou o popular da escola. E sabe qual é a diferença entre mim e os antigos populares? É que eu não sou um filho da puta escroto do caralho que pratica bullying com os mais fracos. Os valentões que me colocavam dentro do armário agora sequer tem coragem de mexer comigo. Antigamente era João quem me protegia do perigo, hoje sou eu quem me protejo. Minha vida mudou completamente. Estou tão feliz. Tudo está as mil maravilhas. Maria tem ciúmes de mim quando estou rodeado por outras garotas, é engraçado. Os meses passam, eu vou cada vez melhor na escola. Em casa, mamãe também fica cada vez melhor, contudo em uma escala bem lenta. Seus movimentos motores ainda são limitados, porém existentes. Sua fala precisa melhorar, mas existe. Mamãe está lutando para voltar ao normal e isso me emociona muito. Percebo que tenho um sentimento especial por minha amiga Maria e ela por mim.


Enquanto isso João treina com sua guitarra todos os dias na garagem da casa dele para uma apresentação no Show de Talentos da escola. Ele já me chamou para me apresentar com ele algumas vezes, porém eu não sou bom com nenhum instrumento, apenas com jogos. Adoro passar o meu tempo jogando vídeo game, LOL ou Guns of Glory no meu smart phone. Entretanto as vezes eu ia até a casa deles para ajudar o meu amigo em sua apresentação. Outros dois alunos da escola se juntavam com a gente, Johnny e Julie. Eu ficava na bateria, pois era o instrumento que eu achava mais fácil mesmo não sabendo tocar direito. Na minha cabeça era só bater em tudo, no entanto, João sempre me dava broncas por isso. Levei algum tempo para entender como funcionava aquele instrumento musical, principalmente por que tudo começa com o meu sinal. Na real, acho que ir na casa do João era só desculpa para ver Maria mais um pouco, talvez fosse mesmo. O tempo passou, a apresentação chegou. O Show de Talentos da escola foi perfeito. Tinham alunos fazendo mágica, outros cantando, outros dançando, uma pequena apresentação de teatro entre duas alunos do segundo ano, e por fim a nossa apresentação.


Todos aplaudiram de pé. Nesse dia minha mãe também foi e eu fiquei emocionado ao vê-la ali na primeira fileira. Essa imagem não será esquecida da minha mente. Nossa vida estava ótima, porém faltava algo. Os três sabiam disso. A formatura chegou. Jogamos nossos capelos para o alto. Comemoramos muito. Adeus ensino médio. Adeus escola. E agora? Mas e agora? Para aonde eu vou quando acordar de manhã? O ano passou, ouvi dizer que houve até um evento de Amigo Oculto em Second Southtown, contudo eu não fui, pois passei o Natal com minha família. Eu enfeitei a árvore com pisca-piscas coloridos e elementos do universo Mario Bros. Coloquei os presentes ali embaixo do pinheiro. Meu tio ajudou a preparar a comida para a ceia. Minha mãe, do jeito dela, arrumou a mesa. Alguns vizinhos vieram para o nosso apartamento para comemorar com a gente. Fizemos uma brincadeira bem divertida, onde os presentes não tinham donos. Cada pessoa escolhia um presente e a seguinte podia escolher ou pegar um presente na árvore ou roubar o presente de quem já pegou. No fim, ninguém sai sem presente, porém todos só podem saber com o que ficou ao final da brincadeira, sendo assim uns se dão bem e outros nem tanto.


Por fim, quando todos foram embora, meu tio me deu o meu presente. Ele comprou um par de luvas e um gorro do Batman. Eu agradeci e o abracei. Na hora eu não quis falar nada, mas o meu super-herói favorito é o Superman. Sabe, além da personalidade admirável, o Superman "veio" do Kansas que nem eu. Eu sou muito fã dessa personagem. Eu também comprei algo para o meu tio, dei uma blusa lisa de cor branca. Não foi muito, mas foi de coração. Para minha mãe, ele deu um vestido de flores. Ela adorou. Minha mãe ganhou de mim uma placa metálica escrito "Melhor mãe do mundo, te amo". Para meu tio Thiago ela comprou (junto com a vizinha do apartamento 202) um relógio e para mim, ela me deu uma foto nossa. Uma foto que remetia a minha infância, a um tempo onde eu era muito feliz. Esse foi o melhor presente que eu podia ter ganhado. No primeiro dia de 2018, meu tio me chamou para conversar em frente a sacada do apartamento da minha mãe. O Sol começa a nascer. Ele me olha. Ele põe sua mão destra no meu ombro direito. Ele me puxa para si. Ele me abraça. Meu tio sorri para mim e eu retribuo. Meu tio aponta para o horizonte e, memoravelmente, diz:

~ Olhe, Pedro, tudo isso que o Sol toca é a vida... A vida adulta recheada de responsabilidades.

~ Ahn?

~ O tempo da vida se levanta e se põe como o Sol. Um dia, Pedro, o Sol irá se pôr para mim e se levantará para você, como o novo responsável pela família.

~ Okay, tio, mas e se eu não quiser ser o responsável pela família?

~ Escute, Pedro, quando se é adulto, existem muito mais coisas para se fazer além de sua vontade. Querendo ou não, meu sobrinho, um dia você será aquele que todos irão seguir e procurar.

~ O quê? Vão me procurar também?

~ Hahaha... Pedro, quando se é o responsável pela família você deverá entender tudo ao seu redor, compreender os problemas de todos e agir de forma correta. Não se pode sempre ajudar com bens materiais, porém com palavras ou atitudes, sim, sempre.

~ Até aqueles primos que não conheço e as tias fofoqueiras?

~ Hahaha sim, sim... Sabe, eu costumo dizer que de certo modo estamos todos ligados uns aos outros em um grande ciclo da vida, Pedro. Hoje é a tia fofoqueira que te procura, mas amanhã pode ser você à procurá-la!!

~ Humm... O senhor está certo!! Porém... Sabe, durante o torneio eu senti algumas coisas em mim, uma espécie de poder... Eu quero entender melhor isso... Quero dominar esse poder!! Quem sabe participar de novos torneios...

~ O que você deve se preocupar é com a saúde da sua mãe. Seu foco deverá ser os seus estudos e a recuperação dela, Pedro. Eu imagino que você tenha ficado impressionado consigo mesmo por ter chegado até as finais, no entanto, isso é bobagem. Lutar é coisa de gente vagabunda!!

~ Mas agora eu tenho poderes, tio!!

~ Hum... Pedro, grandes poderes trazem grandes responsabilidades!!


Meu tio beijou minha testa e se afastou. Fico na sacada pensando no que ele disse. Respiro fundo e volto para dentro de casa. O tempo passa. Minha mãe já consegue comer sozinha. Ela anda com ajuda de muletas ortopédicas. Já é compreensível o que ela diz. Eu ainda não entrei para a faculdade. João agora tem uma banda de rock alternativo. Maria trabalha em um pet shop, mas não é feliz ali apesar de adorar os animais. Enquanto isso, do outro lado da cidade, meu tio fecha um negócio milionário para sua empresa de contabilidade. Na minha casa, mamãe me chama para que eu possa ir com ela até o ortopedista. Fecho o League of Legends. Tomo banho. Nos arrumamos e saímos de casa. Peço um táxi. Abro a porta para minha mãe entrar. Ela fica atrás do motorista. Um taxista de pele morena, cabelos castanhos com luzes loiras e um bigode fino de cor preta. Sua roupa se limita a uma calça jeans, sapato preto e uma blusa polo branca. Rodo o carro e me sento do lado do motorista. No caminho, um caminhão desgovernado atropela o táxi no qual estamos eu e mamãe. Ele atinge o lado do motorista em cheio. O carro voa longe. Capotamos cinco vezes.

O acidente acontece próximo ao Mac's Bar, em Southtown. Saio ferido. Minha testa sangra. Estou desnorteado. Sinto uma forte dor no cotovelo. Quebrei o braço. O motorista de origem latina morreu na hora. Procuro por minha mãe. Ela parece desmaiada. Algumas pessoas aparecem. Somos retirados a força de dentro do carro. Não entendo bem o que acontece. Uma explosão. O carro foi para os ares. Desmaio. Acordo no dia seguinte. Meu tio Thiago está aos prantos ao lado da minha cama.de hospital. Sim, eu vim parar no hospital. Ele me abraça ao me ver acordado. Recebo uma notícia nada agradável. Mamãe ficou em estado grave. Ela está em risco de morte. Não há nada que eu possa fazer. Meu tio chora e sai do quarto para que eu não fique ainda mais preocupado. Ele pensa que foi um erro me avisar de tal maneira, porém seu desespero falou mais alto. Eu não posso me mover, não tem como sair da cama. Fecho meus olhos e peço com todas as forças para que Nessiah pareça e me ajude a mudar essa história. Ele tem que aparecer. ELE TEM QUE APARECER AGORA!!

Não adianta. Ele não aparecerá. Talvez nunca mais. Eu não cumpri com o acordo. Eu não o entreguei o livro de Hermaeus. Não sei exatamente a que fim levou esse livro. O dia cai, a noite vem. Meu tio entra no meu quarto. Mamãe não resistiu. Ele cuidará de todos os detalhes. Eu passarei a morar com ele agora. Vamos ao enterro de mamãe. Todos de preto. João e Maria me abraçam. Ao fim de tudo, vou para casa do meu tio Thiago. Não falamos nada. No dia seguinte ele me acorda bem cedo. Ele me pede para me arrumar, quer que eu vá com ele para a empresa de contabilidade. Quer que eu trabalhe lá. Meu tio exige que eu entre em uma faculdade, me faz estudar para passar para as melhores. Eu não quero isso. Quero ficar na minha, em casa. Estou triste, não quero encarar essa situação trabalhando. Quero o meu tempo para absorver a morte de mamãe. Ele não entende. Vou para o trabalho dele. Meu tio pede para um funcionário me ensinar algumas coisas. Não tenho interesse, porém aprendo um pouco.

No dia seguinte, ele me obriga a me levantar cedo para ir trabalhar. No dia seguinte, de novo. Aquela situação se torna insuportável para mim. Eu reclamo. Não quero essa vida adulta. Ele briga comigo. Diz que agora eu já sou um homem e não mais um garotinho. Eu preciso criar as minhas responsabilidades. Ele irá me ensinar a ser homem, coisa que o meu pai não fez. Aquela última afirmação me deixa irritado. Pego minhas coisas e saio da casa do meu tio. Então é assim que pretende encarar a vida, Pedro? ~ meu tio me questiona. Olho para trás, abaixo a cabeça. Eu quero o seu bem, garoto. Pare de fugir dos problemas!! Você precisa aprender a encará-los e superá-los. Eu sei que ainda está triste por sua mãe, ela era a minha irmã, eu a amava também, contudo a vida precisa seguir, Pedro... ~ Ele afirma com uma voz melancólica. Ele se levanta do sofá da sala. Ele vem até mim. Meu tio me abraça pelas costas. Ele aperta seu corpo ao meu. Ele beija minha nuca. Sou como um filho para ele. Meu tio não quer que eu vá. Ele sabe que não tenho para aonde ir, muito menos um lugar para dormir. E eu também sei disso.

~ Pare de fugir, Pedro... Quando sua mãe ficou doente, a primeira coisa que você fez foi fugir para um mundo virtual onde você fingia ser um super-herói. com poderes tão incríveis que parecia o próprio Goku... Como se chamava aquilo mesmo?

~ Fake, se chamava fake... Ser o Super Geek foi legal, porém complicado com relação aos outros players...

~ Sim, entendo e ainda bem que essa fase passou, porém depois que tudo isso acabou e a situação da sua mãe piorou, você passou a fugir de casa todas as noites para lutar, Pedro... LUTAR!!!

~ Pois é, e foi graças a isso que eu conheci o torneio, o Nessiah e mamãe ficou boa!! Agora eu tenho que ir, tenho que aprender a entender e controlar os meus poderes...

~ Você é um moleque irresponsável, Pedro. Se sair por aquela porta, saiba que não precisa mais voltar. Do que depender de mim, você também não terá nenhuma ajuda de qualquer natureza!!

~ Hmmm... Tudo bem, afinal esse é o ciclo da vida...
~ me solto do meu tio e saio de casa de vez.

Vou até a casa de João e Maria, a uns cinco quarteirões. Conto aos meus amigos o que houve. Eles também querem entender melhor os próprios "poderes e habilidades". Maria estava infeliz no pet shop e João queria ser um guitarrista/vocal conhecido por todos. Todos então concordam em seguir o mundo a fora. Eles pegam o que julgam necessário. Talvez você se pergunte sobre os pais de João e Maria, e eu digo, eles estão tão ocupados que não sabem ao certo a idade dos gêmeos, sequer foram ao Show de Talentos e durante a formatura, o pai de João e Maria saiu antes de jogarmos os capelos para o alto. A mãe tirou foto do momento, ficou algum tempo ali e saiu sem se despedir de ninguém, nem mesmo dos filhos. Ou seja, para os irmãos fugir seria melhor do que morar com duas pessoas que sequer se importam com eles. Bem, agora que oficialmente somos um trio de adolescentes perdidos no mundo chegou a hora de recomeçar, de definir funções. Eu sou o líder, sou aquele que protegerá à todos, que se precisar irá atacar o inimigo, agirá de frente e na frente em campo de batalha. João ficará responsável pelas distrações, armadilhas e será seu dever conseguir dinheiro, suprimentos e comida para o grupo. Maria será a nossa suporte, ficando mais atrás, ajudando a cuidar de nossa saúde e bem-estar do grupo.


Nosso primeiro destino será Second Southtown, quero ir a Sarah Forest para ver se consigo encontrar Nessiah e pedi-lo para mudar a minha história mais uma vez. Ao chegarmos no local nos deparamos com outras três pessoas. João pede para nos escondermos para ele avaliar a situação, pois assim como ele é capaz de criar distrações e armadilhas, ele também é capaz de detectar quando o inimigo está preparando uma. Aquele outro trio era formado por uma colegial oriental, um homem-fera de cor verde e pelos e cabelos laranjas e um jovem oriental de cabelos longos e quimono rosa. Os dois últimos pareciam lutar enquanto a menina via tudo aquilo bem animada. Não sei os nomes dos golpes ou se eles realmente possuem nomes, mas descrevo o que vi. O oriental se impulsionava e saltava na direção da besta verde, aplicando-lhe uma sequência violenta de três chutes em pleno ar e em linha reta. A fera é acertada em seu peito e seu rosto, ficando levemente desnorteada. A figura do quimono rosa fixava seus pés ao solo e parecia tirar a energia da terra para absorve-la e transformá-la em uma energia espiritual que começava a emanar de suas mãos, transformando-se em uma esfera. O lutador movia suas mãos em círculos, aumentando cada vez mais o poder em suas mãos. Aquele poder parecia destruidor. Causa medo em mim, João e Maria.

~ HAOH GADOUKEEEENNNN!!!

Um poder imenso saía das mãos daquele oriental em direção ao monstro verde, porém a poderosa magia sumia no ar após percorrer menos de trinta centímetros, deixando-nos de boca aberta. A fera colocava os braços em frente ao rosto para se defender, porém aquilo não foi necessário. A besta sorria de canto e saltava na direção do adversário, mordendo-lhe a cabeça de forma assustadora. O lutador tentava empurrar o oponente e este se aproveitava da aproximação para surpreende-lo ainda mais. Ficamos de olhos arregalados e sem saber o que fazer ao vermos aquela figura exótica começar a eletrocutar o dono do quimono até fazê-lo cair no chão. A garota pulava e ria, dando vitória para a fera, chamando-a em gritos eufóricos de Blanka. A menina de cabelos curtos e traços orientais colocava suas mãos para trás e caminhava lentamente até o homem caído, inclinando seu corpo levemente para o mesmo. Aquela garota abria um enorme sorriso debochado e o provocava com alguns dizeres que não conseguíamos escutar. Aquele pobre rapaz girava seu corpo no chão, tentando esconder as lágrimas que começavam a sair de seus olhos. Eu olho para meus amigos e decido que devemos nos aproximar. Aquele trio se assusta com a nossa presença. A garota se coloca em posição de combate e a fera fica a frente do lutador de quimono, como se quisesse o proteger já que o mesmo estava com bons danos em si.

~ Espere!! Não somos inimigos... Eu sou Pedro Maia, estes são os meus amigos João e Maria. Nós vimos a luta de vocês, eu quero que me ensinem a fazer essas coisas ai também!! ~ digo para os desconhecidos.

~ O quê? O que você está fazendo, cara? A gente tinha que ter ficado lá atrás escondidos, eu não sei se eles são confiáveis, porra!! ~ João brigava comigo.

~ Hum... Eu sou Sakura, estes são Blanka e Dan Hibiki. Eu não entendi o que vocês querem com a gente, mas se for dinheiro, esqueça!!

~ O quê? Não. não é dinheiro!! Eu quero aprender a controlar o meu poder interno e soltá-lo igual ele ali fez com as mãos e aquele outro com os raios!! Eu já fiz isso antes, sabe? Um poder emanou do meu corpo durante um torneio que eu participei, porém não sei como eu fiz isso, foi tão rápido. Eu não sei dominar esse poder. Meus amigos aqui também sabem que conseguem, mas também não dominam a técnica. Vocês poderiam nos ajudar??

~ Certo, podemos ver isso, mas antes... Estamos com muita fome e precisamos levar o Dan-senpai a um hospital
~ dizia a menina.


Foi tudo muito fácil. Estranhamos. Levamos aqueles três para comer algo no mercado coreano. Conversamos um pouco mais e ouvimos falar sobre um tal Dojo Saikyo-ryu, onde o mestre era o tal Dan Hibiki, porém teríamos que ir até o Japão. Blanka bate no peito com a destra e aponta para um mapa mundial dentro do hospital de Second Southtown. Ele faz barulhos que não entendemos, entretanto a menina parece compreender perfeitamente e traduz para a gente. Blanka diz que se quisermos entender e aprender realmente a controlar os nossos poderes deveríamos procurar por um homem chamado Oro, no Brasil, todavia, não seria fácil encontrá-lo e fazê-lo nos ensinar o que precisamos. Ficamos animados com aquela notícia e ao mesmo tempo preocupados. Decidimos que é hora então de ir atrás daquele que pode nos ensinar a nos conhecer, a entender esses poderes. Nos despedimos dos novos amigos e vamos em direção a Southtown, para lá pegarmos o primeiro avião rumo ao Brasil. Ah sim, o dinheiro para tudo isso? Como eu disse, cabe a João esse papel. Ele que é o responsável por conseguir a grana e enganar os outros.

No começo João tinha um pouco de dificuldade de ter a mão leve o suficiente, entretanto com o passar do tempo ele ficou bom. E foi graças a essa habilidade que ele arrumou as nossas passagens com algumas escalas nos países da América Central. Quando chegamos ao Brasil a gente só se esqueceu de um detalhe: ninguém sabe falar a língua nativa. De cara percebemos que eles também pouco nos entendiam. Complicado. Temos que usar o Google Tradutor para nos ajudar. Nosso destino é a floresta amazônica, pois parece que Oro está escondido por lá. Agora só falta a gente conseguir ir para esse lugar, se é que é possível chegar lá. Sabemos nem se existe gente morando por lá ou só bichos, quem sabe, se houver humanos, sejam todos selvagens canibais e de intelecto baixo iguais aos dos filmes e jogos. Não sabemos. Única certeza que temos é que somos cidadãos norte-americanos e para o bem de todos nada de ruim poderá acontecer com a gente.




Última edição por ★|☆ ~ Pedro Maia ~ ☆|★ em Qua Set 18, 2019 12:00 am, editado 1 vez(es)

Convidado
Convidado


Ir para o topo Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Re: Enghäm eoató

Mensagem  Convidado Sáb Set 14, 2019 12:49 am


Memórias I

Mais tarde naquele mesmo dia.


Espio. O visor da câmera ilumina parte do meu rosto. Com toques leves, cada foto registrada nessa noite vai reaparecendo. Mercados, produtos, feiras livres e paisagens, todas demonstram a pequena parte do valor cultural dessa região.

- Você tirou muita foto, ‘’né’’?

- Sim. Tem muita coisa aqui, é muita natureza e animal, eu adoro fotografar esse tipo de coisa.

- Entendo... Ficaram bonitas. - Comentou. - Você quer café?

- Não, não, obrigado. Mas eu vou querer um refrigerante.

A luz amarelada consegue clarear todo o local. O barulho da tarde pouco a pouco vai se transformando nos sons típicos da noite brasileira – embora aqui parece que o silêncio é maior. Do balcão de ferro consigo ver a inúmera quantidade de bebidas; coisas que vão de uma simples cachaça até o mais forte e barato uísque. Em algumas garrafas, pedaços de planta e serpentes se misturam ao álcool, deixando tudo com uma estética mais rústica e ao mesmo tempo fascinante. As paredes brancas e já envelhecidas mostram que o tempo é um companheiro antigo desse bar, e o senhor que me atende, o dono, dividiu com esses dois longas histórias e experiências.

- Aqui, você quer um copo?

- Ah não, não. Obrigado.

- Então você vai tirar foto dos índios? Vai ficar por muito tempo aqui?

- Vou sim. Não sei ao certo, creio que em um mês tenha todo o material, vai depender muito mais deles. Mas acredito que um mês vai ser o suficiente. O senhor sabe onde posso encontrar eles?

- Bem, nas feiras normalmente você consegue ver um ou outro. Acho que se falar com alguns médicos e aquele povo que vai nas aldeias é mais fácil de conseguir encontrar eles.

- Boa. Vou fazer isso, obrigado. O senhor trabalha aqui muito tempo?

-Desde que era garoto. Ajudava meu pai, e quando ele morreu eu fiquei no lugar. Esse bar era um ponto bem famoso por aqui, mas depois que veio essas coisas de celular, tecnologia e internet apareceram, todo mundo se afastou. Aqui só fica mesmo os velhos e um ou outro morador do bairro. E você, trabalha nisso a muito tempo? Você tinha falado que fez uma cirurgia e veio para cá, cirurgia de quê?

- Trabalhar trabalhar mesmo é recente, mas já faz um tempo que estou tirando fotos. Fiz sim, foi uma cirurgia no coração, corrigir uma válvula.

- No coração?! Tão novo para isso…

- Sim… Bem, é minha terceira, é que a história é longa…

. . .

Antes.
São Paulo, Julho de 2019

De repente a sala parece tão… Morta. Me levanto sem muitas reações, meus ouvidos absorveram aquelas palavras e agora elas se repetem automaticamente na minha mente. Todas as minhas ações a partir daqui, seja o levantar, o cumprimento, o caminhar e descer de escadas, todas são puramente automáticas, como uma máquina se manipulando após um comando. Uma máquina se manipulando após um comando.

O sol bate em minha cara assim que cruzo a rua. Ele arde, mas nem mesmo isso tira a minha atenção, ou a total falta dela. Assim como a sala, o mundo ganha tons cinzentos; as formas não desaparecem, o tempo não para, os movimentos não cessam, mas as cores… Elas somem. E é assim durante todo o percurso até o ponto de ônibus.

Do subir no ônibus e passar pela catraca.

Do descer do ônibus e pegar outro.

Do chegar cada vez mais perto de casa.


Todo o percurso está sem cor...

‘’Bem, sua válvula já está muito calcificada, então os médicos na mesa de reunião concordaram que essa é a hora de trocamos. Você vai operar em breve.’’

...E tudo continua sem cor.

Paro antes de chegar em casa. O movimento dos carros se torna irrelevante aos meus ouvidos. Caminho para um parque natural, mas antes dele devo passar por uma ponte com poucas pessoas – nesse horário, quase ninguém vem até aqui. Os passos são suaves, são raras as pessoas que preciso olhar fixamente no trajeto, e é mais rara ainda a minha vontade de olhá-las. Porém, de certo modo, algo que antes me era quase abominável, agora chama minha atenção: gente feliz.

Famílias brincando, crianças correndo, amigos rindo entre si… Eles me fazem querer chorar. E eu não sei o motivo. Ao final da ponte, um grupo de meninos brincam com uma bola laranja, espero se afastarem para seguir em frente. Um nó se forma em minha garganta. Sem memórias, sem nostalgia, sem emoções, apenas uma vontade de chorar.

‘’Que patético André’’

Sigo. Cada cena que encontro pelo caminho parece se transformar em uma seção de filmagens. Pessoas caminhando em suas trilhas, bicicletas passeando aos arredores, gente comendo em reuniões e picnics, pedaços mínimos mas que agora parecem tão gigantescos aos meus olhos.

‘’Como a vida é bonita. Como vocês são idiotas… Como eu os invejo.’’

Ando entre as árvores, continuo até chegar em uma área mais afastada da aglomeração. Em um momento cesso os passos, retiro os sapatos e meias, e avanço mais um pouco. Repouso, a minha frente apenas o lago e seus patos, um grande espaço com um horizonte quase limpo de figuras humanas. Apenas o lago.

Afinal eu já sabia. Isso era o de se esperar, é o normal nesse tipo de situação… Por que é que estou tão normal? Por que não sinto nada? Por que não consigo chorar? Será que estou morto por dentro?

Não sinto, realmente não sinto. A falta de cores no horizonte não é por susto ou falta de chão. Não… Talvez a confirmação de algo assim só me coloque a par da realidade, e me faça encará-la como tal… Mesmo assim, por que não reajo como o resto?

Nunca havia percebido como os patos são bonitos. Os gansos e cisnes que estão do outro lado sempre me chamaram mais a atenção, eles são lindos. Mas a beleza dos patos não está necessariamente em seu exterior, eles criam um sentimento de fofura ou de beleza aos olhos humanos, como uma simpatia natural… Os cisnes são simplesmente bonitos, não são simpáticos, como se a beleza deles fosse o pedestal que separasse de qualquer coisa, até mesmo do sentimento alheio.

Em meu bolso o celular vibra algumas vezes. Ligação? Não há nada na tela a não ser notificações de mensagens de texto. Destravo-o, ignoro as mensagens, mas clico no ícone de multimídia, passeio por fotos e vídeos. Cada uma deles me relembra memórias queridas e bons momentos. Afinal entendi tudo.

Já faz três anos desde minha ida aos Estados Unidos, as cidades gêmeas. Naquela viagem eu tive que me forçar a seguir, mesmo em meio ao pânico da situação com os maremotos e com aquela coisa… Aquela invasão. Por deus, o que foi aquilo? Como demônios haviam tantas pessoas que podiam fazer coisa como lutar com eletricidade e socar demônios?

Desde aquilo eu venho lutando e estudando tanto para melhorar como ser humano e como mago. Aprendendo que o mundo é muito mais do que os olhos veem. Não quero voltar a ser o mesmo gato amedrontado, mas é tudo tão complicado… É tudo tão difícil de se manter sem desmoronar a cada passo. Inferno, eu não sou o Imperador, eu sou apenas o Hierofante.

- Pare de se cobrar tanto… Você é um pobre fudido e lascado. Um cardíaco que não pode ir muito longe, mas isso não significa que você está por baixo, nunca, jamais. - Profiro para mim mesmo, em um tom mais firme. - Afinal de contas, você não vai morrer, sabe disso. Não é você que é arrogante e superior a si mesmo? Levante e seja o que quiser.

Levante e seja o que quiser…

.
.
.

Alguns dias após.


Demorou duas semanas e meia para receber aquela ligação. Agora estou aqui, novamente ao hospital, de frente para esse imenso prédio. Refleti, contemplei, e aceitei. Não sigo mais com medo ou com a falta dele.

Certas coisas não mudam, e nem precisam mudar, lutar contra elas é desgastante. Eu não precisava me entristecer por não ter reações sobre essa cirurgia, as reações devem vim depois de um acontecimento, nunca antes.

Eu volto a ver as cores.

. . .

Agora.

- Filho, você não deve ficar triste por isso. A vida é realmente dura. Mas veja só, você está aqui, vivo, graças a deus.

- Eu sei, eu sei. Há uns três anos quando eu fiz aquela viagem, eu não sabia nem mesmo quem era direito no mundo, não que eu realmente saiba agora, mas esse tipo de coisa de colocar em contato com a vida e a morte, te faz amadurecer obrigatoriamente, entende?

- Entendo. Já vi muita gente morta por aqui. Fazendeiros que mataram índios, ou até mesmo o povo que vem garimpar ou cortar madeira.

- Hum… - Pego o aparelho celular. Já é tarde. - Bem, acho que por hoje é só isso. Já está tarde e eu ainda não sei andar por aqui direito, acho melhor voltar.

- Claro. Mas sempre que quiser voltar, só vim.

- Obrigado. O senhor é a primeira pessoa que conheci por aqui, com certeza voltarei. Ah, e se ver algum índio, me avise.

- Com certeza.

Pago o refrigerante. Com um aperto de mão me despeço do dono, e apenas quando saio percebo que não perguntei o nome dele – que seja, voltarei aqui de qualquer jeito. A rua é iluminada, mas são poucas pessoas que caminham sobre ela. Com o celular em mão, peço um taxi no aplicativo de viagens. E sigo.

Convidado
Convidado


Ir para o topo Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Finalização de Evento.

Mensagem  Convidado Qua Out 30, 2019 8:02 pm

Evento encerrado por ultrapassar o prazo de 15 dias sem postagens.

Convidado
Convidado


Ir para o topo Ir para baixo

Enghäm eoató Empty Re: Enghäm eoató

Mensagem  Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo


 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos